Crônica dos predestinados a serem presidentes e outros a morrerem de cólera e paludismo

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OPINIÃO

ALBERTO ANTONINO KANHANGA/Colunista


As palavras são do general Higino Craveiro Lopes Carneiro, que era tido como predestinado a ser presidente de Angola. Atingiu o grau de general, como seu xará, o legítimo dono do nome. O que lhe falta agora é apenas a concretização do passo seguinte: tornar-se presidente de Angola.

Uns estão, afinal, predestinados a governar um povo que não compreendem, que desconhecem por completo. Não sabem como esse povo pensa, nem quais são suas aspirações e ambições. Um povo que morre por doenças negligenciadas, porque os “predestinados” lhe arrancaram os fundos e os desviaram para projetos privados alimentados por sua ânsia de poder. Talvez não de ser presidente de Angola, mas de algum outro território que não seja o de Ngola.

Até Mutuyakeka, Kandumbo, Candimba, Madume, Soma Viye, Muachissengue, MuanChava, Mbula Matadi, Njinga Mbandi, Katiavala, Ekuikui, Imbinda e Muene Nvu Menongue ressuscitariam, se vissem este enigma: aquele com quem lutaram, hoje governa seus reinos.

Predestinados à acumulação primitiva da riqueza do soberano povo de Ngola, arrancam-nos tudo apenas para subjugá-lo com aquilo que lhe pertence. Os predestinados não toleram os donos da terra quando o assunto é poder; fazem-nos parecer abaixo até de um cão morto. Dessa expedição já não participarei, porque é revoltante ser do povo Ngola.

Ngola é minha terra. A terra do grito do Ipiranga, chamada a uma gesta revolucionária social. Que não seja mais marcada pela morte por sarampo, cólera, paludismo e outras doenças cujos nomes a ciência nem chegou a registrar, pois, na hora de nomeá-las, os investigadores não tinham verbas. Os fundos haviam sido roubados pelos predestinados.

Os predestinados têm sangue azul. Não o vermelho do povo. São predestinados apenas a morrer para viver no além, e não na terra de riqueza abundante. Lá no céu, dizem, não há dor. Porque toda a dor ficou aqui na terra. Nossa terra. Terra que os viu nascer… para sofrer.

Esses predestinados roubam até os óbitos alheios. Roubam terras. Se pudessem, roubariam até o oxigénio. E se esse oxigénio dependesse deles, não hesitariam em nos deixar secos. Nós, do povo Ngola, não queremos ser governados por predestinados. São perigosos. Queremos os não predestinados, aqueles que sentem com o povo, que choram com o povo, que morrem com o povo.

Sim, há predestinados em tudo: carpinteiros, marceneiros, lavadores de carros, zungueiros, Rouoteiros, jardineiros, ameaçadores, carregadores com músculos de tanto transportar peso. Mas há também aqueles que bastam estalar os dedos… e são presidentes. Porque são, dizem, predestinados. Só porque são.

A vida dos predestinados é diferente: para eles, os outros são apenas restos. Restos que não servem, que não prestam. Para eles, os verdadeiros valentes são os que não são do Ngola. Porque os do Ngola, segundo eles, nasceram para obedecer, para sofrer, para morrer. Eles têm a bênção de Deus, dizem; os outros, talvez a de Satanás.

Mas na nossa era já não haverá mais predestinados. Seremos todos iguais, em iguais circunstâncias. Se o paludismo é que mata, morreremos todos. Se for a cólera, também. E se os predestinados forem enterrados em caixões de ouro, ainda assim não seremos indiferentes: todos merecemos ser enterrados com dignidade. Afinal, a única certeza dos do Ngola é esta: somos todos predestinados… a morrer.

Atenção:

“A Crônica dos Predestinados” será publicada semanalmente até agosto de 2027. Nela, retrataremos tudo: dos predestinados e dos não predestinados. Mais do que isso, refletiremos sobre o nosso destino comum. Com ou sem malária, com ou sem paludismo. Desceremos todos ao mesmo solo. Porque todos temos alma. Todos sentimos. Todos somos viventes.

Predestinados a serem órgãos de soberania, empreendedores ou empresários de sucesso… mas não para roubar os não predestinados. A pressa pode fazer tropeçar antes da linha de partida. O apito soou antes da hora? Talvez não tenham sido predestinados a tempo. Nem a coisa alguma.


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