O FIM PROVISÓRIO DOS CURSOS DE SAÚDE: Uma pausa técnica ou um erro político

0
Médicos angolanos
Partilhe

OPINIÃO

Nélson Kalenga


Há dois anos, numa conversa com um amigo, arriscámos uma previsão: que os cursos de Enfermagem Geral e Análises Clínicas poderiam, em menos de dez anos, ser descontinuados. O motivo? Um mercado de trabalho visivelmente saturado, com milhares de jovens formados sem oportunidades de emprego, especialmente no setor público, o maior empregador da área da saúde em Angola.

Hoje, essa previsão tornou-se realidade — e mais cedo do que se esperava. Um decreto recente determinou a suspensão dos referidos cursos até 2030, impedindo novas matrículas a partir da 10.ª classe. A decisão, apesar de tecnicamente justificável do ponto de vista da oferta e procura, revela, acima de tudo, um sintoma mais grave: a falta de planeamento estratégico e a fragilidade das políticas públicas de educação e empregabilidade no país.

Durante cinco anos, instituições de ensino médio técnico que apostaram fortemente nos cursos da saúde enfrentarão um vácuo financeiro considerável. Muitas dessas escolas vivem exclusivamente da matrícula de estudantes em Enfermagem ou Análises Clínicas. O corte abrupto na entrada de novos alunos exige agora uma reinvenção: novas ofertas formativas, reaproveitamento de estruturas e, sobretudo, requalificação de docentes que, até aqui, estavam confinados a um único campo de ensino.

Para os professores que lecionavam exclusivamente nessas áreas, o cenário é preocupante. Com menos turmas disponíveis, muitos verão o desemprego bater-lhes à porta. A ausência de um plano de transição ou de apoio aos educadores é mais uma prova de como a medida, embora administrativa, foi tomada sem sensibilidade humana nem visão sistémica.

Em contrapartida, esta decisão pode também representar uma oportunidade. Os cursos do ensino geral voltam a ganhar relevância e as áreas de engenharia, tecnologia e ciências aplicadas podem agora atrair mais investimento e estudantes. Porém, é necessário que essa mudança não seja apenas numérica, mas qualitativa. Diversificar a oferta educativa sem garantir qualidade, infraestruturas e professores capacitados, será apenas mais um paliativo.

No fundo, o que está em causa não é apenas a suspensão temporária de dois cursos. É a instabilidade de um sistema educativo que continua a responder mais a pressões políticas e interesses de grupos do que a estudos sérios sobre o mercado de trabalho, o crescimento económico e as necessidades reais do país.

A juventude angolana tem sido sistematicamente penalizada por decisões políticas mal calculadas. As instituições privadas, muitas vezes tratadas como “inimigas” pelo Estado, cumprem um papel essencial na democratização do acesso à formação. Ignorá-las ou prejudicá-las com medidas unilaterais e pouco dialogadas, é uma estratégia autodestrutiva.

Que esta pausa forçada sirva de alerta. Que até 2030 se desenhe uma nova estratégia de formação técnico-profissional. Que se reforce a articulação entre o sistema de ensino, o setor produtivo e os órgãos de governação. E que nunca mais se tome uma decisão tão profunda sem ouvir quem ensina, quem aprende e quem emprega.

Porque a educação não pode continuar a ser uma vítima colateral das guerras internas de nenhum partido.


Partilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Translate »

Você não pode copiar conteúdo desta página